quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Multiculturalismo e corporalidade

A Escola da Serra oferece diversos cursos em aulas especializadas, dentro do horário letivo, que proporcionam, para os alunos, o contato com práticas de outras culturas e a prática de atividades físicas: Capoeira, Thai Chi Chuan, Yoga.

Segundo Oliveira (2002, p. 76; 82) nossa cultura teve várias influências de outras culturas: africanos, hebreus, gregos, árabes, judeus,  dentre outros. O autor destaca que é papel da escola cultivar o patrimônio cultural, cultivando valores e transformando a cultura também (OLIVEIRA, 2002, p. 79-81).

Vale dizer que a Escola da Serra é laica. Portanto, as práticas são trabalhadas do ponto de vista do multiculturalismo e da corporalidade.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Sequência didática nos projetos de trabalho

A Escola da Serra adota os projetos de trabalho. No decorrer do curso, fiquei sempre muito confusa quando estudava planejamento, principalmente a sequência didática e tentava encaixá-la na forma como percebia o trabalho desenvolvido na escola.

No Módulo 7, no material eletivo do Veredas, estudamos os projetos de trabalho e temos que fazer uma sequência didática no estágio docente obrigatório. Pronto! Nesse momento fiquei confusa mesmo porque eu achava que nunca tinha observado a realização de uma sequência didática na Escola da Serra. 

Com o caminhar dos estudos, fui compreendendo que os projetos de trabalho tem um assunto chamado detonador, que parte da curiosidade e da realidade das crianças. A partir das perguntas, é possível traçar uma sequência didática para dar condições, criar o meio, para que as crianças respondam as perguntas feitas e possam saciar sua curiosidade, construindo elas mesmas seu conhecimento, através de processos singulares de aprendizagem, mediados pela professora.

Percebi, assim, que a sequência didática que havia elaborado não dialogava com o Projeto Pedagógico da Escola da Serra e que era preciso criar uma situação de motivação (detonadora, disparadora) para que as crianças quisessem aprender sobre o tema proposto e começar, então, um projeto. E que eu corria o risco de o assunto não ser motivador para as crianças.


Ao compreender como eram realizados os projetos de trabalho, percebi também que já tinha observado várias sequências didáticas mas não as tinha reconhecido quando utilizadas dentro dos projetos. É bem parecido, mas é uma proposta sequencial muito mais aberta do que quando a sequência vem pronta para as crianças. Mais uma vez eu entendi que era eu quem precisava estudar mais e não que a escola não adotava formas de planejamento. Essa dúvida eu sempre tive e agora consigo compreender melhor o trabalho desenvolvido pela equipe pedagógica da Escola da Serra.

Leite (2005, p. 30) assim caracteriza o trabalho com projetos: "muda a forma de entender os conteúdos escolares, que passam de fim em si mesmos a instrumentos culturais valiosos para uma intervenção mais consciente na realidade em que se vive".
 


O olhar antropológico

Por várias vezes, na Escola da Serra, não compreendia diversas situações ou comportamentos das crianças. Também tinha muitas dúvidas sobre a forma de a escola intervir nesses comportamentos.

Por exemplo, uma criança muito indisciplinada que dá muito trabalho para todos na escola e que não é repreendida como estamos acostumados que as crianças sejam: chamar os pais; colocar de castigo; mandar a criança de volta para casa.

Sobre isso, Oliveira (2002, p. 77) fala sobre estratégias que o professor pode utilizar para desenvolver o olhar antropológico: o distanciamento crítico (tornar estranho o que é familiar); a empatia (tornar familiar o que é estranho); desenvolver o olhar interpretativo.

Esse olhar permite o desenvolvimento de uma postura educativa porque promove um olhar mais amplo e aberto para interpretar as situações escolares. 


Créditos da Imagem: Iara

quinta-feira, 9 de julho de 2015

A intencionalidade da linguagem

A Supervisora Pedagógica da Escola da Serra sempre apresentou uma comunicação muito clara, transparente e adequada para cada situação.

Pondé e Riche (2002a, p. 25) falam sobre a intencionalidade da linguagem no Módulo 1. Segundo as autoras "[em} toda situação de interação entre pessoas por meio da linguagem, sempre há na fala uma intenção de influenciar o pensamento ou mesmo o comportamento do interlocutor".

Nesse sentido, foi sempre possível identificar a intencionalidade da Supervisão Pedagógica nas intervenções e orientações dadas no decorrer do estágio supervisionado e no estágio remunerado. Isso foi muito importante para a minha formação porque delineou bem a importância da comunicação clara e ética para o processo educativo.

Educação como prática social

Na Escola da Serra há uma atenção especial para a socialização das crianças e adolescentes e para a formação moral. Eu sempre gostei bastante dessa postura da escola, mas ainda me faltavam embasamentos teóricos para compreender melhor a prática docente.

Amaral e Azzi (2004) destacam prática pedagógica como prática social. Nesse sentido, é uma prática dinâmica, conflituosa e professoras e professores influenciam muito esse ambiente porque são atores sociais que interferem no conhecimento específico de cada um e no contexto escolar, assim como nos interesses e motivações dos alunos e alunas.

As autoras destacam também os valores éticos da escola, ressaltando a importância de identificar as fases da formação moral das crianças, tomando por base a epistemologia piagetiana.

Lembro-me de uma reunião de pais na qual a Escola da Serra passou uma entrevista com Yves de La Taille sobre a formação moral na criança. As crianças tinham entre 2 e 3 anos e foi explicado para os presentes quais eram as características principais dessa fase do desenvolvimento, assim como a importância de reconhecer que a próxima fase era a do desenvolvimento da autonomia. Nesse sentido, foi esclarecido o conceito de autonomia, de heteronomia e de anomia. A escola cumpriu, então, uma de suas funções sociais: os profissionais da Educação estabeleceram um diálogo com as famílias, explicando sua prática docente e compartilhando o conhecimento científico específico, no caso, o desenvolvimento moral na criança segundo Piaget.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Síndrome de Down

Durante o estágio convivi com dois alunos com Síndrome de Down. Um deles, especialmente, era muito bem quisto por mim. Quando comecei a acompanhá-lo, me envolvi afetivamente e comecei a protegê-lo demais: via nos colegas um perigo de machucá-lo ou de entristecê-lo com brincadeiras de mau gosto e mais agressivas.

A situação chegou a tal ponto que ele estava no terceiro ano do primeiro ciclo e eu comecei a levá-lo para a turma de alfabetização, sendo que ele já era alfabetizado...

A Supervisora Pedagógica fez uma intervenção bem bacana, mostrando que ele poderia ter algumas dificuldades sim, mas que também tinha superações, sucessos no seu percurso escolar e que as dificuldades que eu percebia eram para serem superadas e não negadas. Vieira (2005, p. 44) também aponta que é preciso identificar "as 'eficiências' dessa criança e não só suas 'deficiências'".

Sobre isso, Oliveira (2002a, p. 107) nos ensina que a escola, ou o processo educativo, contém em si as marcas da desigualdade. Nesse sentido, ao proteger o aluno, na verdade eu estava impedindo que ele desenvolvesse suas potencialidades. Talvez eu até duvidasse do potencial desse aluno pelo fato de ele ter necessidades educacionais especiais. E estabeleci uma relação de poder com ele, onde eu detinha o poder de protegê-lo e impedir que qualquer coisa desagradável acontecesse.

Cabe agora começar a compreender melhor as especificidades da Síndrome de Down e de outras necessidades educacionais especiais, assim como observar mais o tipo de relação que construo com os estudantes.


terça-feira, 30 de junho de 2015

Teorias Interacionistas - Construtivismo de Piaget

No estágio supervisionado observei que a escola considera tanto o desenvolvimento cognitivo, social e emocional das crianças — aprendizagem de conteúdos, formas de lidar com sentimentos, interação com colegas, por exemplo — e também tem sempre uma organização espacial intencional.

Sobre isso, Piaget fala em seu livro, A Epistemologia Genética:
A partir da zona de contato entre o corpo próprio e as coisas eles se empenharão então sempre mais adiante nas duas direções complementares do exterior e do interior, e é desta dupla construção progressiva que depende a elaboração solidária do sujeito e dos objetos. (PIAGET, 1983, p. 6)

domingo, 28 de junho de 2015

Sistematização das contas matemáticas


Durante o estágio, percebi que as crianças primeiro eram convidadas para pensar em como adicionar quantidades do que aprender o algoritmo, ou seja, o modo sistematizado de representar a adição: 3 + 2 = 5. 

No caso, a professora apresentava um problema e as crianças tinham que resolver. Por exemplo, se eu tenho 8 laranjas e compro mais 4, com quantas eu fico?

As crianças também podem usar calculadora já nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em atividades específicas como, por exemplo, a representação numérica no Sistema de Numeração Decimal (SND). Ou para aprender a sequência numérica, digitando os números na ordem correta: 1, 2, 3...

Sobre isso, Bertoni (2002a, p. 51-52) explica que a tendência atual é de que as crianças aprendam a resolver situações-problema, ou seja, que as estratégias pessoais de cada criança são válidas para que elas desenvolvam o cálculo mental, o raciocínio matemático e a capacidade criativa. Nesse sentido, ao citar Chevallard, a autora destaca que é importante que as pessoas resolvam os problemas matemáticos com as ferramentas que conhecem e sabem utilizar.

Com o tempo, as crianças já são capazes de  sistematizar o conhecimento matemático e isso também é feito. Mas não é mais o ponto de partida para o ensino das operações matemáticas.

Um dos livros utilizados na Escola da Serra, como acervo da biblioteca da sala de aula, é "A Família Gorgonzola" de autoria de Eva Furnari. Nesse livro, são apresentadas situações-problema que as crianças têm que resolver, mas não é necessário sistematizar formalmente os cálculos: cada criança vai resolver os problemas da forma que achar mais adequada.

Isso é muito interessante de ser observado na sala de aula porque, quando a professora pergunta como cada criança chegou ao mesmo resultado, é comum que sejam apresentadas várias maneiras diferentes de resolução de um mesmo problema.


Créditos da Imagem: Iara

Variação linguística

Durante o estágio, convivi com uma professora que mudou-se do interior de São Paulo para Belo Horizonte e que "puxa o r". Isso quer dizer que ela pronuncia as palavras assim: "porlta", "porlco", "porlque", etc. Ou seja, ao invés de pronunciar o "r" na garganta, ela pronuncia na boca, usando a língua.

Muitas crianças ficavam curiosas ou até achavam engraçado a forma como a professora falava. E ela explicava: "´É porque lá onde eu nasci as pessoas pronunciam o "r" dessa forma" (ou forlma). O que aconteceu foi o contato das crianças com a variação linguística. Pondé e Riche (2002b, p. 31) assim a definem: "uso específico que os grupos sociais e os indivíduos fazem da língua". Assim, as autoras consideram as variantes regionais como forma de variação linguística, ou seja, a pronúncia e até mesmo o vocabulário mudam conforme a região geográfica.

Sobre isso, o autor Marcos Bagno (2007, p.123) afirma que "ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém comete erros ao andar ou ao respirar". Defensor de uma gramática que não seja preconceituosa, o autor faz uma bela discussão em seu livro "Preconceito linguístico: o que é, como se faz".

sexta-feira, 26 de junho de 2015

"Pensar sobre a docência e a formação docente" - Profa. Samira Zaidan

Uma das minhas grandes inquietações é a formação e a valorização docentes. Percebo que a base da Educação é a oferta de um ensino de qualidade. Mas... O que é qualidade? 

Durante o curso, ao estudar o projeto político pedagogico, percebi que é possível que cada escola tenha um conceito diferente para a qualidade da Educação. Mas há também características previstas por lei como a Constituição Federal (CF, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996).

A partir dessas leis, pode-se compreender que o acesso e a permanência na escola estão intimamente relacionados ao exercício da cidadania e à preparação para o trabalho. Sobre este último, considero aqui o conceito marxista de trabalho humano, planejado, com causalidades e finalidades. Ou, nas palavras de Azzi (2004, p. 45), "a Educação escolar de qualidadede [é aquela] que assegura àqueles que a ela têm acesso a aquisição, o desenvolvimento e o domínio dos conhecimentos, das competências e habilidades curriculares".


Tive muitas dúvidas esclarecidas ao assistir à uma conferência promovida pelo Projeto "Pensar a Educação, Pensar o Brasil". e que faz parte de um ciclo de conferências intitulado "Das Escolas Normais à Pós-Graduação: 100 anos de formação de professores no Brasil". A conferência do dia 25 de junho de 2015 foi proferida pela Professora Samira Zaidan, da UFMG. Vale muito assistir.



A indisciplina

Durante o estágio docente obrigatório, observei que há muitos casos de indisciplina e até de adoecimento nas crianças.

Em alguns momentos, eu mesma achava que eram crianças mimadas ou preguiçosas.

Sobre isso, Araújo (2004, p. 132-133) explica, com base na teoria freudiana, que os afetos podem ser realizados ou recalcados. Muitas vezes, uma criança indisciplinada ou com dificuldade de concentração pode, na verdade, estar passando por alguma dificuldade. Assim, a indisciplina, a falta de concentração e/ou a resistência para fazer as atividades pode ser o que aparece para as pessoas, mas no fundo, na dimensão psíquica, pode haver uma razão muito importante que está resultando nesse comportamento da criança.

Araújo (2004, p. 133) diz que os professores, muitas vezes, não fazem a pergunta: "Qual será o drama, o sofrimento escondido por detrás desse ato de indisciplina, da falta de concentração?".

sábado, 20 de junho de 2015

O "habitus" no trabalho do professor

Durante o estágio tive várias dificuldades para compreender as práticas da Escola da Serra. Como frequentei a escola pública nas décadas de 70 e 80, percebi que havia muitas diferenças entre as práticas que vivenciei como aluna e, agora, como professora em formação.

Uma das coisas que mais me incomodava era a abertura dada para os estudantes. Sempre falava com a Supervisora Pedagógica: "Lu, não entra na minha cabeça isso... Quando eu era criança, a gente se levantava quando o professor entrava na sala. Agora é assim, as crianças fazem e falam o que elas querem, tratam a gente de qualquer jeito... Não aceito isso, é inadmissível e errado!"

Desde a primeira vez que convivi com as práticas escolares, em uma escola que adota a perspectiva construtivista do desenvolvimento da inteligência na criança, senti uma enorme diferença.

Lembro-me do primeiro dia em que entrei em uma sala de aula na Escola da Serra. Um aluno, de 8 anos, estava sentado na rodinha, tocando "Metamorfose Ambulante" no violão enquanto a professora se encaminhava para a sala de aula. Eu cheguei antes dela e logo pensei: "Quando a professora chegar ele vai ter que guardar o violão, coitado. E ainda deve levar uma bronca!" Que nada! A professora entrou na sala, sentou-se na roda e começou a cantar com ele e com toda a turma. Depois elogiou, bateu palma... A Supervisora Pedagógica passou e cumprimentou. Outra professora passou e cumprimentou, sorrindo. O Diretor passou e cumprimentou. E eu não entendi absolutamente nada.

Teve outro episódio também, quando eu fazia estágio supervisionado na Escola da Serra. Foi o seguinte: os alunos estavam subindo antes da aula começar e aí o pessoal dos Serviços Gerais procurou a gente e falou que isso atrapalhava a limpeza das salas porque os alunos colocavam as mochilas em cima da mesa ou no chão. Então, era para pedir que os estudantes só subissem no horário. Um dia estava chovendo e todo mundo queria subir. Eu fechei a porta que dava para a escada e não deixei ninguém subir. Não era uma ordem, não era a organização da escola? Então... Aí, foi só eu sair um segundo de perto da porta que todo mundo subiu antes do horário. Não foi um ou dois alunos, foram todos os alunos da escola que estudam na parte da tarde. Fiquei pensando naquilo e achei muito interessante essa resistência por parte dos alunos: ficar sem nada para fazer num dia chuvoso com o pátio todo molhado.

No Módulo I, estudamos o habitus do professor. Santos (2002, p.179-180), ao citar Ecléa Bosi, fala sobre a memória-hábito que "está relacionada com o fato de construirmos e guardarmos esquemas de comportamento dos quais nos valemos muitas vezes na nossa ação cotidiana". Santos (2002, p. 180) cita também Perrenoud que, "baseando-se em Bourdieu, ele usa o termo habitus para denominar esses esquemas construídos ao longo do tempo, por meio de nossas experiências, que são responsáveis pelas ações sobre as quais não temos clara consciência".

Dessa forma, percebi que agia automaticamente diante de diferentes situações escolares que eu vivenciei no passado e reproduzo no presente e que, portanto, eram familiares.

Nesse sentido, Santos (2002), Peres (2003) e Souza (2009) falam sobre a importância da memória como fator importante na formação do profissional reflexivo, capaz de mudar ou manter sua conduta a partir de seu reconhecimento como sujeito sócio-histórico. Santos (2002, p. 180) assim diz:  

Supervisionados por alguém com maior experiência e com o auxílio de teoriasl, [os professores] poderiam fazer o que é denominado releitura da prática, ou seja, a experiência prática seria analisada a partir de teorias e princípios pedagógicos, favorecendo a mudança de habitus, na medida em que os professores se tornariam conscientes das causas que os levaram a agir de determinada forma.


sexta-feira, 19 de junho de 2015

Práticas para o Lar

Durante o estágio percebi que as atividades são as mesmas para meninos e meninas: Capoeira, Ed. Física, Dança, Música, Artes Plásticas e Teatro, além de serem mistas as turmas regulares.

Lembrei-me de quando era criança e estudava no Instituto de Educação. Na Ed. Física ficávamos separados em grupos de meninos e meninas. Tínhamos também as disciplinas "Práticas pra o Lar" para as meninas e "Práticas Industriais" para meninos. Em "Práticas para o Lar" aprendíamos a fazer crochê, cozinhar, fazer artesanato e boas maneiras. Eu nem tinha acesso à sala de "Práticas Industriais".

Segundo Souza (2004, p. 29) isso já era comum desde o início do século passado:

Ainda para educar as mãos, e com elas o corpo inteiro, existia a disciplina de Trabalhos Manuais, cujos conteúdos reforçaram, significativamente, diferenças entre o tratamento dado aos corpos dos meninos e das meninas. Enquanto a elas eram ensinados trabalhos domésticos, em especial costura e bordado, eles aprendiam a manusear ferramentas para trabalho em madeira, metal e papel.
Oliveira (2002, p. 109) aponta um fator importante também a ser considerado: a escola que prepara para a divisão social e técnica do trabalho. No caso desta postagem, pode-se pensar que a escola publica preparava seus estudantes para o trabalho braçal: as meninas para serem donas-de-casa e os meninos, trabalhadores industriais.

Não que crianças e adolescentes não possam aprender a cuidar da casa ou a fazer trabalhos braçais. Mas a questão é: com qual objetivo? Preparar para a vida ou reforçar a desigualdade social?

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Escola Pública ou Particular?


Durante o estágio na Escola da Serra, a partir do 6º período, comecei a sentir vontade de fazer estágio em uma escola pública. A influência para isso foi de um texto de Peres (2004, p. 150) sobre as pedagogias legitimistas e relativistas, a partir de Claude Grignon:

"[...] temos que ter o cuidado de não desprezar aquilo que nossos alunos são e sabem, por causa de sua condição de pobreza, Isso significaria anulá-los como pessoas [mas também] não podemos nos deixar levar por um exagerado sentimento de 'justiça social', aceitando qualquer prática, qualquer atitude, qualquer comportamento dos nossos alunos. Significa que não podemos nos acomodar, aceitando tarefas mal feitas, incompletas, trabalhos feitos de qualquer jeito. Aceitar esse tipo de coisas e justificar dizendo 'coitadinhas das crianças, elas não conseguem fazer melhor do que isso', é induzir essas crianças ao fracasso, é convencê-las de que elas têm pouco ou nenhum valor, pouca ou nenhuma capacidade.
Uma criança carente merece receber da escola mais do que aquilo que os programas compensatórios oferecem — merenda escolar, assistência social, etc. Essa criança merece ser respeitada e considerada em relação às limitações que sua condição socioeconômica lhe impõe. E merece, principalmente, receber uma educação de boa qualidade, bons materiais didáticos, etc. É preciso que a escola as prepare para a vida, mas não simplesmente para a vida que levam, e sim para que possam melhorar de vida. E isso elas conseguirão compreendendo a própria realidade e percebendo-se como capazes de transformá-la. Se nós conseguirmos fazer com que uma criança que vive num ambiente de extrema pobreza se sinta capaz de aprender e realizar as mesmas coisas que outras crianças que têm uma qualidade de vida mais elevada, então nosso trabalho não terá sido em vão".

A vontade de ir para a escola pública foi compreender o potencial transformador da Educação. Não que não haja nada para transformar com crianças da classe média, mas a pobreza é um problema social muito triste e eu quero me comprometer com a criação de possibilidades de mudança da vida de crianças pobres em um processo onde elas se tornem autônomas e protagonistas do seu próprio sucesso profissional.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Identidade Docente


Uma das coisas mais difíceis para mim durante o curso tem sido formar uma identidade docente. Isso se deve a diversos fatores.

Em primeiro lugar, minha família não valoriza a docência. Meus pais e meu irmão eram todos formados em nível superior mas não investiram na carreira docente, inclusive desvalorizando essa profissão. Durante toda a minha vida fui incentivada a fazer Medicina (argh!), o que não tem absolutamente nada a ver comigo. Segundo Araújo (2004, p. 132-133) ao falar sobre a psicanálise, os afetos não são apenas resultado dos sentimentos que temos "lá dentro de nós, nos sussuros do nosso coração", mas também pela forma como nos inserimos ou somos inseridos na sociedade, atribuindo assim, ao meio, a importância para o "nosso bem-estar afetivo", o que inclui as instituições das quais participamos: "família, escola, Estado, etc.).

Em segundo lugar, percebo que as professoras trabalham demais: a responsabilidade para educar e cuidar de crianças de 0 a 10 anos é imensa; é comum levarem serviço para casa; o planejamento precisa ser muito bem feito e levar em conta o desenvolvimento de cada criança, o que se faz através da observação atenta durante todo o período letivo; muitas famílias consideram a escola uma extensão do ambiente doméstico, desconsiderando as singularidades do espaço escolar; o trabalho precisa ser em equipe porque a proposta atual é de interdisciplinaridade, ao contrário do ensino de conteúdos segmentados, relacionando esses conteúdos com o dia a dia das crianças, dialogando com a realidade da comunidade escolar, entre outras responsabilidades.

A remuneração docente também é um grande problema porque as professoras recebem muito menos do que deveriam para se dedicarem o necessário para ofertar uma educação de qualidade.

A formação docente da UFMG/UAB é excelente, mas há muitos cursos péssimos de Pedagogia sendo ofertados e, no mercado de trabalho, essas pessoas vão fazer parte da equipe docente. E é muito ruim trabalhar com pessoas incompetentes. Acho que será um choque para as ex-alunas da UFMG/UAB o ingresso da regência de classe por isso. 

Sou também a favor da dedicação exclusiva. O que percebo que acontece é que as reuniões de planejamento e o atendimento às famílias são realizados durante as aulas especializadas (Ed. Física, Arte, etc.), o que compromete o trabalho das professoras. Nesse sentido, o contra-turno é que deveria ser organizado para essas reuniões, assim como para a formação de grupos de estudo.

A violência escolar também é outro fator a ser considerado. Já presenciei muitas situações de total desrespeito a profissionais da Educação no estágio docente obrigatório, o que foi até injusto porque na Escola da Serra todos os profissionais tratam as crianças e as famílias muito bem, com ética e educação.

A proposta atual do MEC para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental é excelente: adota a teoria do desenvolvimento da inteligência de Piaget, propõe o trabalho com ciclos de formação, propõe a avaliação processual, orienta as escolas para adotarem a gestão democrática, enfim, há uma proposta maravilhosa para a educação das crianças do País. Só que essa proposta demanda profissionais muito bem formados e informados. E a profissão docente é muito desvalorizada, as professoras, principalmente da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, são tratadas como mão-de-obra barata e reduzidas à meras cuidadoras das crianças, desconsiderando-se, assim, a dimensão intelectual da docência.

Por tudo isso, apesar de gostar muito da Educação, tenho muita dificuldade para formar uma identidade docente. Na verdade, tenho medo de me arrepender dessa escolha, apesar de sair da UFMG muito bem preparada para a regência de classe, tanto na Ed. Infantil quanto nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.


Piso salarial nacional do magistério deveria ser R$ 7.532,80


A partir do estágio docente obrigatório comecei a acompanhar a remuneração docente e as condições de trabalho. Foi uma curiosidade que surgiu naturalmente e passei a me interessar pela formação e atuação docentes. 

Uma das questões que mais me chama a atenção é a desvalorização docente, o que passa, obviamente, pela remuneração das professoras e dos professores. Com o vencimento atual, o magistério vem deixando de ser uma profissão atraente porque docentes trabalham muito, não podem parar de estudar e levam serviço para casa sempre. Quando o vencimento é baixo, isso reflete diretamente na formação inicial, continuada e até no comprometimento e envolvimento dos profissionais da Educação com as questões educacionais. Longe de justificar a irresponsabilidade ou a falta de ética, considero aqui as professoras e professores que abandonam o magistério por questões financeiras, além de estudantes da Ed. Básica que não escolhem os cursos de licenciatura porque veem na docência uma carreira pouco promissora.

Em 2015, o valor do piso salarial nacional do Magistério é de R$1.917,78 para a carga horária de 40 horas semanais (BRASIL, 2015; PORTAL BRASIL, 2015).

O salário mínimo nominal do País é de R$788,00 para 44 horas semanais.

Considerando-se que o mês possui 4 semanas, pode-se dividir o valor do piso salarial nacional para o magistério e o valor do salário mínimo nominal por:

A. 1.917,78 : 160 = 11,99,  o que significa que professores recebem R$11,99 por hora-aula.

B. 788 : 176 =  4,48 o que significa que trabalhadores assalariados, que recebem um salário mínimo por mês, recebem R$4,48 por hora trabalhada.

Agora, se considerarmos o salário mínimo necessário, no mês de maio, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (DIEESE, 2015), vamos trabalhar com o valor de R$3.377,62 para o salário mínimo.

Isso significa:

C. 3.377,72 : 176 =19,19, o que significa que trabalhadores assalariados deveriam receber R$19,19 por hora trabalhada. Isso é 4,28 vezes mais do que o valor real recebido de R$4,48 por hora trabalhada (19,19 : 4,48 = 4,28)

D. Se multiplicarmos a hora-aula de R$11,00 por 4,28, teremos: R$47,08 que é o valor que deveria ser pago aos professores por hora aula, o que, multiplicado por 160 (número total de horas trabalhadas), dá o valor do que deveria ser o piso salarial do magistério, tomando-se por base o valor do salário mínimo necessário informado pelo DIEESE (2015): R$ 7.532,80.

Ou seja, o valor do piso salarial nacional do magistério deveria ser de R$7.532,80, considerando-se o salário mínimo necessário "a remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capaz de satisfazer, em determinada época, na região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte." (DIEESE, 1993).

Vale muito a pena ver essa entrevista do programa Dois Pontos UFMG, que contou com a participação da Professora Samira Zaidan, do Professor João Valdir Alvez e do Pró-Reitor de Graduação e Professor Ricardo Takahashi sobre a baixa procura pelos cursos de licenciatura.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Subir em árvores: desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático


Na Escola da Serra as crianças adoram subir nas árvores. A favorita é uma figueira, que as crianças escalam diariamente nos intervalos.

Quando comecei a frequentar a escola, fiquei preocupada: será que as crianças não caem da árvore?

Conversando com uma das professoras, ela me disse:

— As crianças aprendem muita coisa subindo na árvore.

Eu pensei comigo que elas aprendiam sobre insetos e folhas, mas a professora continuou:

— Quando elas sobem, elas tem que se equilibrar na árvore, saber a força que têm que fazer para subir de um galho para outro, o quanto têm que estender o braço para alcançar o galho de cima, o quanto têm que esticar o pé para subir, a força que têm que fazer para levantar o corpo. Para descer é a mesma coisa, precisam "calcular" o tempo todo como vão fazer, qual o melhor caminho, o mais seguro e o mais fácil. É uma ótima oportunidade para as crianças aprenderem muitas coisas. Olha quanta coisa importante do raciocínio lógico-matemático elas aprendem...

Como toda estagiária de observação, limitei-me a dizer uns "hum, hum" e fiquei pensando naquilo.

Mais tarde, ao ler Piaget (1983) consegui compreender que as crianças, no estágio operatório concreto (6-7 a 11-12 anos) começam a ter a noção de força, movimento, peso, embora ainda não consigam abstrair esses conceitos dos objetos. Segundo Piaget (1983, p. 26):

[O] estágio das operações concretas apresenta uma situação paradoxal. Até aqui assistimos, partindo de um nível inicial de indiferenciação entre sujeito e objeto, a progressos complementares e relativamente equivalentes nas duas direções da coordenação interna das ações depois das operações do sujeito, e a coordenação externa das ações primeiramente psicomórficas depois operatórias atribuídas aos objetos. Em outros termos, observamos, nível por nível, duas espécies de evolução estreitamente solidárias: a das operações lógico-matemáticas e a da causalidade[...]

Cooperação


Durante o estágio supervisionado, fiquei um ano como estagiária remunerada na Escola da Serra. No início de 2015, houve a organização dos ciclos de formação das turmas de 1º ciclo em duas: uma de alfabetização, com as crianças que tinham vindo da Ed. Infantil e outra multisseriada, com crianças de 7, 8 e 9 anos.

Um dos maiores desafios enfrentados foi organizar a turma para o horário das aulas. Como eram, ao todo, 56 crianças, era preciso, primeiro, que aprendessem a ficar em sala e a se concentrar na atividade. Como tudo o que é novidade deixa as crianças muito curiosas, foi um período de intenso trabalho de adaptação.

Quando eu comecei a observar a atitude das professoras, percebi que elas incentivavam o trabalho coletivo e a cooperação. Fui, então, buscar textos que falavam sobre o assunto e comecei a ler alguns artigos de Yves de La Taille. Em um desses artigos (LA TAILLE, 2001), o autor fala sobre a cooperação ao tratar da educação moral das crianças.

Fiquei, então, muito animada porque tinha, finalmente, entendido o que as professoras estavam fazendo. E fui para o estágio no dia seguinte. Quando subimos para as salas, logo no início da aula, as crianças estavam agitadas e conversando muito. Então, eu levantei a mão e a professora me deu a palavra. Perguntei, então:

— Quem sabe o que é cooperar?

Uma aluna levantou a mão e disse:

— É ajudar o outro, fazer as coisas junto com o colega.

Eu falei:

— Muito bem, cooperar significa operar com, isso mesmo, trabalhar em conjunto ajudando o colega.

Foi quando percebi que as crianças estavam em silêncio olhando para mim com uma cara de quem não tinha entendido absolutamente nada... Nem eu entendi a situação.

Mais tarde, estudando Piaget, fui compreender. Essas crianças estão no operatório concreto, portanto, precisam de situações concretas para aprender (Goulart, 2004). A forma como eu falei foi muito abstrata para elas, o que poderia ser compreendido mais tarde, a partir dos 11, 12 anos, no estágio operatório formal.

Algumas semanas depois, relendo La Taille (2001) foi possível aprender que a cooperação se desenvolve nos trabalhos em grupo, nas relações. Então, a melhor forma de ensinar as crianças a cooperar é promover situações em que elas possam interagir com outras pessoas.

Hoje eu acho isso muito engraçado e, com o tempo, a partir das situações concretas experimentadas em sala e em outros espaços escolares, as crianças foram desenvolvendo a cooperação nas atividades coletivas.


 Créditos da Imagem: Iara


domingo, 31 de maio de 2015

Feminização do Magistério


Tanto no estágio supervisionado quanto na minha própria turma e em outras escolas que conheço, observei que as mulheres são maioria na docência na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Ficava me perguntando o que tinha levado essas mulheres a serem maioria nesses segmentos.

Outra característica que me chamou a atenção foi que, na Escola da Serra, nenhuma criança chama as professoras de "tia, mas que isso ainda é comum em várias escolas e até mesmo desejado por professoras formadas ou em formação e eu não entendia bem como era essa relação entre professora-aluno, questionando se isso era certo ou errado.

No Módulo III, ao estudar a História da Educação, obtive as respostas para esses questionamentos.

Sobre o assunto, Faria Filho (2003, p. 126-127) recupera a historicidade da feminização do magistério: se, por um lado, a docência era  "uma profissão ocupada majoritariamente por homens, até o final do século XIX [...], no fim do século XX, as mulheres ocupavam cerca de 95% dos postos de trabalho no magistério primário (ou equivalente)".

Faria Filho (2003, p. 130-131) aponta as razões da feminização do magistério no Brasil: baixos salários aliados à uma maior cobrança da presença do professor em sala de aula, o que dificultava conciliar a docência com outras ocupações; possibilidade de as mulheres conciliarem a carga horária de docência com os serviços domésticos; a visão da sociedade de que a mulher era, naturalmente, boa cuidadora; a docência vista com profissão moralmente aceitável para as mulheres; aumento do número de meninas que frequentavam a escola, o que demandava professoras, porque só mulheres podiam lecionar para turmas de meninas; oportunidade de ingresso das mulheres no mercado de trabalho, uma vez que muitas arcavam com as despesas domésticas, principalmente as mais pobres, aliando-se, a isso, uma maior participação das mulheres na "vida social, cultural e econômica das sociedades modernas". 

Paulo Freire (1997, p. 9), em seu livro "Professora Sim, Tia Não" também problematiza a inserção da professora no mercado de trabalho, não como tia, mas como profissional qualificada que é:

Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão. Se pode ser tio ou tia geograficamente ou afetivamente distante dos sobrinhos mas não se pode ser autenticamente professora, mesmo num trabalho a longa distância, “longe” dos alunos.

 

Educação Matemática

No estágio supervisionado pude observar que a Escola da Serra prioriza as brincadeiras e os jogos na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Uma atividade que me chamou a atenção foi o Ciclo de Matemática, que consiste em uma reorganização das turmas do 1º Ciclo, com critérios de reagrupamento dos alunos, formando seis novos grupos. Cada grupo fica com uma professora regente, que os acompanha até que mudem de grupo.O Ciclo de Matemática trabalha, então, com jogos como recurso educativo para o ensino de conteúdos matemáticos.

No começo não conseguia compreender exatamente como era feito esse trabalho. A partir da escolha do tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi possível delimitar o tema ao estudo do funcionamento do Ciclo de Matemática. A partir desse momento, estudando os temas relacionados ao TCC — ciclos de formação, jogos, quadro atual do ensino de Matemática — foi possível compreender melhor o uso de jogos como recurso pedagógico e relacionar esse uso com a teoria construtivista, compreendendo sua importância para a organização do tempo escolar em ciclos e para o ensino de Matemática.

Segundo Piaget, o jogo contribui para o desenvolvimento da criança, sendo observado em todos os estágios do desenvolvimento e classificados em jogos de exercício, jogos simbólicos e jogos de regras (PIAGET, 1978). Em seu livro Psicologia e Pedagogia, Piaget (1980) fala que o jogos são "assimilação do real à atividade própria [e que] se transformam pouco a pouco em construção adaptadas, exigindo sempre mais de trabalho efetivo."

Já os ciclos de formação têm o objetivo trabalhar com a criança dando mais tempo para o aprendizado, considerando os ritmos individuais de cada uma (DALBEN, 2004). Essa perspectiva corresponde à teoria psicogenética de Piaget que considera que podem haver variações de faixa etária na passagem entre os estágios de desenvolvimento, mantendo-se constante a ordem dos estágios (FLAVELL, 1965), ou seja, uma criança que está no estágio operacional concreto, já deve ter passado pelos estágios sensório-motor e pré-operacional.

Para o estudo dos conteúdos matemáticos a serem trabalhados no 1º Ciclo, o principal referencial utilizado foi o volume de Matemática dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) que define, como conteúdos a serem trabalhados nesse ciclo: números e operações; espaço e forma; grandezas e medidas; tratamento da informação.

A partir, então, do conhecimento sobre o trabalho do Ciclo de Matemática, sobre a busca por fundamentos teóricos que justificassem o uso dos jogos como recurso educativo, e sobre a organização do trabalho com conteúdos matemáticos em ciclos de formação, foi possível compreender melhor a atividade e acompanhar o trabalho das professoras.

Gestão Democrática


A relação família-escola faz parte do dia a dia da Escola da Serra, sendo muito bem cuidada. A escola adota o modelo de gestão participativa ou gestão democrática, tendo a APES - Associação de Pais da Escola da Serra como entidade representativa das famílias.

Na parte da tarde, a escola abre às 13:00 e as aulas começam às 13:40 h. Durante esse período, as crianças/adolescentes ficam brincando no pátio e as famílias podem ficar conversando, almoçar na escola ou ficar com os alunos. Na hora da saída, a escola dá 50 min. de tolerância para as famílias buscarem seus filhos: a aula termina às 18:10 e a escola fecha às 19:00h. As crianças e adolescentes podem ficar brincando no pátio escolar e as famílias se encontram, conversam, assistem às aulas de futebol, enfim, é um momento lúdico e interativo.

Da mesma forma, a escola providencia toda a estrutura para as reuniões de pais organizadas pela APES: espaço físico, auxiliares pedagógicos para ficar com as crianças até o término da reunião, divulgação da reunião no espaço escolar e nas redes sociais. As reuniões são realizadas à noite, geralmente das 18:10 às 20:30 h.

Mesmo com todo esse apoio e com um diálogo aberto com as famílias, presenciei vários conflitos na relação família-escola. Muitas vezes, as famílias utilizavam o espaço escolar para reclamar da escola ou para falar mal da escola para outras famílias. São casos particulares de cada criança que, por insatisfação das famílias, acabavam sendo compartilhados com a comunidade escolar. Observei também famílias que resistiam muito à proposta pedagógica da Escola da Serra, apesar de a escola disponibilizar o documento no site institucional e de estar sempre aberta para tirar dúvidas, se for necessário. Outras vezes, as famílias buscavam as crianças depois das 19:00h. Nesses casos, há a previsão contratual para pagamento de multa, mas muitas famílias reclamavam, dizendo que "era um roubo", o que não era verdade porque se tratava de cláusula prevista no contrato de prestação de serviços feito com a escola, e não era uma apropriação indevida de nenhum bem das famílias, ou seja, a escola não estava cometendo nenhum crime.

Observando esse contexto, muitas vezes perguntei para a Supervisão Pedagógica porque a Escola da Serra insistia na proposta de uma gestão participativa, uma vez que dava margem para uma série de inconvenientes: fofoca, reclamações desnecessárias, falta de interesse das famílias para conhecer o trabalho pedagógico da escola e até acusações indevidas (como de roubo, por exemplo). Além disso, não entendia bem como as famílias, os alunos e os funcionários técnico-administrativos, pessoas leigas sobre Educação, poderiam participar da gestão de uma escola se a gente que faz Pedagogia tem que estudar tantas coisa...

Mas a Escola da Serra sempre foi muito fiel mesmo à gestão democrática, é uma proposta que a escola não vai abandonar.

No Módulo II do curso de Pedagogia, a democracia é o eixo temático das disciplinas "Política Educacional no Brasil" e "Escola, Sociedade e Cidadania". No Módulo III, fizemos o estágio supervisionado tendo como roteiro de observação a "gestão escolar democrática e formação e condições de trabalho dos profissionais da escola" (RICCI e MOURA, s/d, p. 3). No Módulo IV, tivemos a disciplina "Gestão Democrática da Escola". Essa forma de apresentar o conteúdo permitiu a associação entre a prática e a teoria.

Sobre a gestão democrática, Souza (2003) observa que se trata de uma determinação legal para o ensino nas escolas públicas, que visa a consolidação da democracia, envolvendo os diferentes grupos que participam da comunidade escolar, promovendo assim o exercício da cidadania. Para Sacristan (apud Souza, 2003, p. 168), são cinco os princípios que devem nortear a prática pedagógica: "acesso à educação[...], conteúdos de ensino e da Educação Democrática [...], as práticas organizacionais e pedagógicas [...], as relações interpessoais[...], relações entre escola e comunidade".

Souza (2003) também fala sobre os conflitos e os considera resultado da participação democrática de grupos com interesses distintos, ressaltando que esses conflitos precisam ser mediados, sem perder de vista a promoção da democracia e o desenvolvimento da autonomia da escola, o que estabelece um movimento entre as duas dimensões da escola: como espaço instituído (definido pela legislação ou por orientações como os Parâmetros Curriculares Nacionais) e instituinte (definido pela comunidade escolar). Nesse sentido, Pinheiro (2003) fala sobre a importância de se considerar a escola como parte de um sistema de ensino (Federal, Estadual e Municipal), articulando as práticas escolares com a normas que orientam a Educação nesses diferentes níveis.

Sobre a participação das pessoas da comunidade escolar, Pinheiro (2003, p. 157) esclarece que deve-se definir os papéis sociais de cada sujeito que participa da comunidade escolar e "suas possibilidades de atuação e de interferência na condução dos trabalhos".

A partir do estudo da gestão democrática, pude compreender melhor a proposta pedagógica da Escola da Serra e as medidas tomadas para garantir a participação coletiva. Nesse sentido, a escola se compromete com a consolidação da democracia, incentivando também o Grêmio Estudantil, as reuniões pedagógicas, e a participação ativa dos demais funcionários, que têm acesso direto aos gestores da escola sempre que necessário.

Construtivismo

O Projeto Político Pedagógico da Escola da Serra (2014, p. 11) assim define seus objetivos e sua prática pedagógica:

Guiamo-nos por uma proposta construtivista baseada, essencialmente, nos princípios epistemológicos formulados por Jean Piaget, incorporando contribuições de diversos outros autores como Vigotsky, Emília Ferreiro, Constance Kamii, Yves de La Taille, dentre outros. Temos de citar, ainda, as marcantes influências que recebemos de Antón Makarenko, Célestin Freinet, Paulo Freire, José Pacheco, Philippe Perrenoud e Fernando Hernández.

Durante o estágio, não conseguia compreender o motivo de uma teoria da Psicologia ter tanto impacto na Educação. Também não compreendia o motivo que levava as pessoas a falarem que Construtivismo não era método, era uma teoria.

Foi possível então, a partir do estágio supervisionado, feito em uma escola construtivista, conhecer melhor a prática docente nesse contexto. Na escola, as crianças são sempre convidadas a pensar sobre suas perguntas, sendo raríssimas as aulas expositivas. Todo material utilizado é explorado pelas crianças primeiro, e a avaliação é contínua, com o tempo organizado em ciclos. Essa organização se articula com a perspectiva construtivista do desenvolvimento, respeitando o tempo de cada criança para aprender um conteúdo e desenvolver competências. Além disso, o conhecimento é contextualizado, sendo que a realidade ou os interesses das crianças são considerados como ponto de partida para o trabalho de conteúdos em sala de aula.

No Módulo V, estudamos o Construtivismo de Piaget, o que esclareceu essas dúvidas. Goulart (2004), ao falar sobre as teorias psicogenéticas, explica que o desenvolvimento e a aprendizagem não são a mesma coisa, mas processos diferentes que se interrelacionam de forma dinâmica, ressaltando a importância dessa teoria para a Educação, porque trouxe novos olhares para o desenvolvimento e para a aprendizagem, influenciando, inclusive, a relação professor-aluno, uma vez que a criança e o adolescente são vistos como sujeitos ativos na construção de seu conhecimento.

Outra leitura que esclareceu para mim a relação entre o Construtivismo de Piaget e a Educação foi o livro Psicologia e Pedagogia. Nele, Piaget (1980) afirma que o conhecimento sobre as fases do desenvolvimento da criança pode ajudar os professores na sua prática docente. Nesse sentido, Piaget (1980, p.75) não propõe um método de ensino, mas coloca-se a favor do método ativo porque nele o professor aproveita as "condutas espontâneas dos alunos", considerando-as como parte do processo de aprendizagem.

Jogos e Brincadeiras


Durante o curso, na hora de escolher o tema para o Trabalho de Conclusão de Curso — TCC, o critério escolhido por mim foi o tema que mais me lembrava o estágio supervisionado. Não tive dúvidas: jogos e brincadeiras.

A Escola da Serra prioriza as brincadeiras e a socialização na Educação Infantil e adota jogos como recurso pedagógico nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Para este segmento, inclusive, a escola organiza o ensino de conteúdos matemáticos utilizando jogos como recurso educativo, em uma atividade chamada Ciclo de Matemática. Além disso, a minha orientadora foi professora de Matemática no Centro Pedagógico da UFMG e trabalhou com jogos e Educação Matemática, tendo, inclusive, estudado o tema na sua dissertação de Mestrado. Ou seja, o contexto da redação do meu TCC era muito favorável ao tema "jogos e brincadeiras"

Entretanto, com o andamento do curso, comecei a ter muitas dificuldades para escrever meu TCC. Algumas dificuldades eram naturais em um trabalho acadêmico: as leituras necessárias, o aprendizado de novos temas e conceitos, a escrita acadêmica...

Mas eu também tive muita resistência para aceitar o tema, que me parecia, inicialmente, tão propício. Comecei a refletir sobre o que os jogos, as brincadeiras, os ciclos de formação e os conteúdos matemáticos representavam para mim. Considerando, então, a dimensão subjetiva, comecei a encontrar, no passado, representações que estavam interferindo na escrita do meu Trabalho de Conclusão de Curso. Para tanto, conto também com um psicanalista e faço análise uma vez por semana. Esse processo de autoconhecimento é uma escolha pessoal, que tem como objetivo me dar a oportunidade de refletir sobre as minhas questões e contextualizá-las, relacionando-as de forma positiva com as pessoas e situações vividas.

No caso dos jogos, quando eu era criança a minha família não tinha condições para me dar muitos brinquedos. Lembro-me de vizinhos que me chamavam para brincar, e os jogos aos quais tinha acesso eram sempre das crianças do prédio. Raramente ganhava brinquedos, principalmente jogos, que eram mais caros. Mesmo assim, ao buscar essa reflexão, lembrei-me de quando meu pai me deu um Jogo de Memória, que jogava comigo todas as noites, mesmo chegando cansado do trabalho. Naquela época, ele era representante comercial de roupas infantis e saía de casa de madrugada para chegar às cidades onde venderia as roupas para os lojistas. Outro momento recuperado foram os jogos de cartas com minha avó paterna: ela adorava jogar Escopa e nós sempre jogávamos quando ia visitá-la. Meus avós maternos também gostavam de jogar e meu avô tinha um Ludo de madeira que jogávamos sempre que eu ficava na casa deles, no sul de Minas. Essas lembranças permitiram que eu me relacionasse mais com os jogos, porque até então lembrava-me apenas dos jogos que eu não tinha. Atualmente, meu marido e minha filha adoram jogar jogos de tabuleiro e frequentam o UFMGames no Espaço do Conhecimento semanalmente. Sempre que dá tempo eu vou com eles. É muito divertido e os jogos são bem diferentes. Agora tenho vários jogos em casa, de tabuleiro ou de outros tipos. Não há mais motivo para resistir ao tema.

Sobre os conteúdos matemáticos, lembro-me de que, na escola, nunca usamos jogos para aprender. Na época, tínhamos muitos exercícios e decorávamos os conteúdos e a tabuada. Uma vez, fui para a casa dos meus avós maternos e as férias escolares, na cidade onde eles moravam, acabou mais cedo do que em Belo Horizonte. Acho que deveria ter mais ou menos uns 7, 8 anos. Então, para não ficar sozinha, fui para a escola com minhas amigas. Quando cheguei lá, a professora começou a revisar o conteúdo do ano anterior e me fez uma pergunta que eu não soube responder. Bem, a aula terminou e fomos para a casa das minhas amigas brincar. Quando eu cheguei na casa dos meus avós, a professora, que era vizinha, já tinha ido falar com minha mãe que eu não sabia Matemática. Resultado: fiquei o resto das férias estudando Matemática... Por outro lado, meu pai adorava Matemática e me ensinava muitas coisas. Eu também era boa nessa matéria, aprendia com facilidade e gostava de fazer os exercícios. Recuperar os momentos de sucesso no aprendizado de Matemática me ajudou a superar os momentos em que não fui bem sucedida. Não há mais motivo para não estudar o ensino de conteúdos matemáticos.

Sobre os ciclos, assim como na escola, a vida mesmo é um ciclo e cheia de ciclos: começamos e terminamos processos o tempo todo. O fechamento de ciclos, por alguma razão, é algo difícil para mim. Encerrar uma etapa e iniciar outra ainda é um desafio que me deixa bastante ansiosa. Aos poucos vou compreendendo o significado dos ciclos. Talvez, em alguns momentos, eu tenha precisado de mais tempo na vida, como as crianças e adolescentes precisam na escola. Em outros momentos, talvez essa dificuldade tenha mesmo me feito perder oportunidades. Mas são situações que podem ser ressignificadas e se transformar em caminhos para o enfrentamento e a superação de dificuldades. Como é dito na apresentação do Volume 1, do Módulo 7 da Coleção Veredas:


Você está quase atingindo sua meta: mais alguns meses e estará formado em nível superior! No entanto, a conclusão do Veredas não significa simplesmente o fim de um processo. Como toda conclusão, esta que você está vivenciando marca também o início de um novo período. Além de colher “os louros da vitória”, você vai continuar crescendo profissional e pessoalmente, pois esperamos que tenha “aprendido a continuar aprendendo”, a buscar informações, analisá-las, criticá-las, selecioná-las para construir saberes e conhecimentos nas interações com seus colegas, alunos e as pessoas em geral. (SALGADO; MIRANDA, 2004, p. 11)